Sobre Direitos Humanos e Sociedade
Os Direitos Humanos são aqueles que transcendem a sociedade local e os Estados Nacionais, compondo-se em numerosas garantias às condições mínimas necessárias para o estabelecimento de uma vida digna a cada humano em todo o planeta, independente de raça, sexo, religião ou quaisquer outros elementos diferenciadores individuais: todo e qualquer ser humano é detentor dos Direitos Humanos Constantes ou Extravagantes à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
A carga negativa e pejorativa que o termo “direitos humanos” recebera ao longo dos últimos 40 anos, no Brasil, onde comumente se interpretam os Direitos Humanos como o “Direito dos Criminosos” tem uma raiz histórica algumas vezes minimizada por estudiosos do tema, senão vejamos.
Flávia Piovesan (1) explica que
Após a Segunda Guerra Mundial, relevantes fatores contribuíram para que se fortalecesse o processo de internacionalização dos direitos humanos. Dentre eles, o mais importante foi a maciça expansão de organizações internacionais com propósitos de cooperação internacional. Como afirma Henkin (2): “o Direito Internacional pode ser classificado como o Direito anterior à Segunda Guerra Mundial e o Direito posterior à ela. Em 1945, a vitória dos Aliados introduziu uma nova ordem com importantes transformações no Direito Internacional, simbolizadas pela Carta das Nações Unidas e pelas suas Organizações”.
A concepção moderna e internacional dos Direitos Humanos surgiu com a Segunda Grande Guerra, a qual a imensa maioria da população Brasileira sequer assistira [pois a televisão não era um artefato de fácil compra pela população e, mesmo que fosse, não havia na época a espetacularização dos morticínios como assistiu-se na Guerra do Iraque (2003-2011)] ou sofrera consequências mais severas. O contigente militar enviado para lutar na Itália é hoje – por vezes – desprezado por diversas gerações como “os que foram passear na Europa” e nada mais longe da verdade.
Dessa maneira, distante das consequências nefastas do genocídio organizado em linha de produção pelo governo alemão ou dos bombardeios diários que incendiaram Londres por inúmeras vezes, como pode se ver na foto abaixo, do campo de Dachau, e logo após na captura de um momento perdido no tempo, onde moradores de Londres se escondiam dentro do metrô, enquanto suas casas eram devastadas metros acima, o povo Brasileiro não assimilou a percepção da extrema necessidade internacional que se fazia presente, diante do inaudito – até então – desprezo absoluto pela vida humana.
Moradores de Londres escondidos dos bombardeios diários que assolaram a Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial:
Mas a necessidade de uma proteção positivada e efetiva, de maneira internacional era premente.
Daí a Carta Internacional dos Direitos Humanos e os inúmeros organismos criados ao fim da Segunda Grande Guerra. Diante de tamanha catástrofe, fora-se percebido que toda a vida humana deveria ser respeitada sob também inúmeros aspectos da vida cotidiana.
Não há dúvida que após tantas iniciativas, falhamos como espécie, desrespeitando tanto a nós mesmos como o próprio meio ambiente do qual dependemos para sobreviver. Centenas de guerras se seguiram à Segunda Grande Guerra e até hoje, atônitos, vemos que 820 milhões de pessoas passam fome no planeta. No Brasil, são 116 milhões de pessoas passando fome, o equivalente a aproximadamente metade de nossa população.
Crises humanitárias se tornam cada dia mais presentes e mais próximas, não se restringindo a distantes regiões asiáticas ou africanas: a fuga em massa dos cidadãos venezuelanos é resumida pela UNICEF:
Com o agravamento da crise econômica e social na Venezuela, o fluxo de cidadãos venezuelanos para o Brasil cresceu maciçamente nos últimos anos. Entre 2015 e maio de 2019, o Brasil registrou mais de 178 mil solicitações de refúgio e de residência temporária. A maioria dos migrantes entra no País pela fronteira norte do Brasil, no Estado de Roraima, e se concentra nos municípios de Pacaraima e Boa Vista, capital do Estado.
Para acolher parte dessa população, 11 abrigos oficiais foram criados em Boa Vista e dois em Pacaraima. Eles são administrados pelas Forças Armadas e pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Mais de 6,3 mil pessoas, das quais 2,5 mil são crianças e adolescentes, vivem nos locais. Estima-se que quase 32 mil venezuelanos morem em Boa Vista. Projeções das autoridades locais e agências humanitárias apontam que 1,5 mil venezuelanos estão em situação de rua na capital, entre eles, quase 500 têm menos de 18 anos de idade.
Apesar do intenso fluxo de cidadãos Venezuelans que se dirigiram para o Brasil nos dois últimos anos, o Haiti ainda é o país que mantém o triste primeiro lugar no “ranking” de imigrantes para o Brasil:
‘Eu sofri muito preconceito, principalmente no início. As pessoas me xingavam, mandavam eu voltar para o meu país. Eu chorava todos os dias’, conta o haitiano Cameu Jeaneenis, de 40 anos, e morador de São Paulo desde 2014. Sua trajetória remete ao mesmo caminho que a maioria dos imigrantes no Estado mais rico do País.
Jeaneenis nasceu na capital do Haiti, Porto Príncipe, com pouco mais de um milhão de habitantes. Sem escolaridade, era proprietário de uma loja que vendia material de construção. ‘Não ganhava muito, mas dava para sustentar a minha família’, conta ele. Na época, morava com os pais e o filho, hoje com 10 anos. No entanto, em 12 de janeiro de 2010, viu todo o seu ganha pão ser destruído, aos poucos, pelo terremoto que atingiu o país e deixou ao menos 230 mil mortes. A saída, segundo o haitiano, ‘era procurar uma vida melhor, mas fora do Haiti’. A ideia demorou para ser concretizada.
Tais situações se expandem para além dos problemas dos próprios imigrantes, pois suas chegadas impactam os sistemas de proteção social (saúde e seguridade) de uma país que já tem tais sistemas saturados.
Assim, a atuação jurídica no campo dos Direitos Humanos engloba não somente a proteção daqueles que agridem o aparato jurídico penal brasileiro, mas transborda para toda e qualquer pessoa que tenha seus direitos fundamentais atingidos de maneira negativa, quer seja um “cidadão de bem”, um “delinquente” ou um estrangeiro.
Referências citadas:
(1) Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 2010, p.130;
(2) Louis Henkin, Human Rights, 1999, p. 886. (in Flávia Piovesan, 2010).